STAR WARS: UMA LEITURA NOSTÁLGICA DO RETORNO ÀS ESTRELAS

Cinema e audiovisual

STAR WARS: UMA LEITURA NOSTÁLGICA DO RETORNO ÀS ESTRELAS

BASE CIENTIFICA
Escrito por BASE CIENTIFICA em dezembro 3, 2021

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STAR WARS: UMA LEITURA NOSTÁLGICA DO RETORNO ÀS ESTRELAS

COMO CITAR:

CRUZ, Pedro de Carvalho. STAR WARS: UMA LEITURA NOSTÁLGICA DO RETORNO ÀS ESTRELAS. Revista Base Científica – ISSN:2675-7478, v.2, n.1, p. 87-100. Dezembro de 2021. Disponível em: https://revistabase.com.br/2021/12/03/star-wars-uma-leitura-nostalgica-do-retorno-as-estrelas

Resumo

A pesquisa aborda como as produções audiovisuais que revisitam ou retomam obras audiovisuais já conhecidas se relacionam com a nostalgia e o processo de criação de identidade no público. O objetivo é compreender a necessidade de aprofundamento das noções de nostalgia, identidade, origens, autenticidade, fidelidade e elaborações míticas do passado no que se refere a outros objetos fílmicos, através dos filmes mais recentes da saga e franquia cinematográfica: Star Wars. 


Palavras-chave: “Star Wars”; narrativa cinematográfica; nostalgia; identidade; estética cinematográfica.

Introdução 

“Deixe o passado morrer. Mate-o, se precisar.”

(Rian Johnson em “Star Wars: Os Últimos Jedi”) 

As palavras proferidas pelo personagem “Kylo Ren” (interpretado por Adam Driver) à “Rey” (interpretada por Daisy Ridley) parecem ser, em certa extensão, as mesmas que Rian Johnson, roteirista e diretor de “Os Últimos Jedi”, transmite ao público do oitavo filme da franquia audiovisual “Star Wars”, lançado nos EUA em 1977. Entendemos que este capítulo da saga Skywalker, dentro de seu texto narrativo, apoia a desconstrução do passado mítico e das tradições estabelecidas pela narrativa-mãe, como uma forma de modernizar e aprimorar a franquia. Há um contraste entre este apelo e a tendência das sequências e produtos derivados de obras audiovisuais que costumam preservar os padrões narratológicos e temáticos estabelecidos originalmente.  

Diante desses aspectos, esse artigo busca compreender qual é a importância de elaborações de “mitos de origem” ligados aos desdobramentos de narrativas-mães, quando novas produções e objetos fílmicos se interpõem e cruzam com tais matrizes originais. Além disso, pretende entender como questões de memória fílmica e fidelidade, no que se refere às construções simbólicas e mercadológicas da mídia de massa, podem afetar no engajamento em produções audiovisuais. Para tal, utilizo como recorte de investigação os três mais recentes capítulos de “Star Wars” e o seu primeiro Spin-Off (1), respectivamente: “Star Wars: O Despertar da Força” (2015); “Star Wars: Os Últimos Jedi” (2017); “Star Wars: A Ascenção Skywalker” (2019); e “Rogue One: Uma História Star Wars” (2016). Essas obras são retornos à narrativa iniciada na trilogia original na forma de sequências e prequela (2) derivada.  O estudo busca também verificar o papel dos mercados relacionados à mídia de massa e à Cultura Pop. 

Os dois principais cernes usados na abordagem teórica dos objetos específicos, e de onde partem análises subsequentes, são as noções de “estrutura de sentimento”, do autor Paul Grainge (2000), e “identidade líquida”, de Stuart Hall (2004). Os demais autores escolhidos para o embasamento desta pesquisa estão ligados aos seguintes campos: estudos da nostalgia, de “fandom”(3), identidade e audiovisual.

          Mais especificamente, este artigo parte de cinco eixos de análise, que estruturam o edifício do texto abaixo apresentado. O intuito é perceber o papel da nostalgia na tensão gerada entre os produtores das referidas obras audiovisuais (desdobradas da narrativa mãe-original) e seus consumidores/público. Tensão essa que, muitas vezes, se estende à própria Fandom, por conta da divergência de opiniões quanto aos lançamentos. Em relação a esta percepção, a pesquisa recorreu a uma breve coleta de dados em textos críticos (escritos por profissionais e público geral) publicados no site Rotten Tomatoes acerca dos objetos de pesquisa mencionados (4).   

Após a conclusão da história dos três primeiros filmes, “Star Wars” já havia sedimentado seu lugar na memória de uma geração. Além dos filmes, essa geração também criou laços afetivos com produtos derivados da franquia, tendo em vista que a era comercial do cinema havia se iniciado, e surgia um novo interesse da indústria em franquias que pudessem gerar produtos derivados (5). Diversos livros foram lançados contando os eventos que ocorreram após o fim da trilogia original, reforçando padrões, e também criando personagens novos e populares, que habitaram a mente dos fãs de “Star Wars” nos hiatos entre as trilogias dos filmes. 

No ano de 1999 foi dado início ao lançamento das chamadas “prequelas”, com a estreia de “Star Wars episódio I: A Ameaça Fantasma”.  Após anos de espera, a franquia voltava aos cinemas com a promessa de contar as origens do personagem “Darth Vader”, eleito o terceiro maior vilão do cinema americano pela AFI (American Film Institute) (6) e anteriormente conhecido como o cavaleiro Jedi “Anakin Skywalker”.  Mais uma vez, Star Wars voltava a fazer sucesso no cinema com o filme sendo, novamente, um enorme sucesso de bilheteria, não obstante, tenha tido uma recepção morna em relação aos demais. 

Os primeiros sinais de toxicidade no fandom podem ser observados já nesse primeiro capítulo quando o ator que interpretava um personagem mal recebido pelos fãs (Jar Jar Binks) revelou em uma entrevista que sofreu tantos ataques negativos da comunidade, que quase cometeu suicídio (7). Mesmo não sendo muito aclamada, essa trilogia ampliou a mitologia da saga e gerou personagens memoráveis, sendo seu terceiro filme considerado o melhor.  A nova trilogia também se desdobrou em duas séries animadas, ambas intituladas “The Clone Wars”, muito queridas pelos fãs da franquia. 

Após sete anos sem notícias oficiais de continuações cinematográficas para saga, em 2012 a “The Walt Disney Company” anunciou que realizaria a produção de uma trilogia sequência para a original iniciada em 1977, após a compra da empresa “Lucasfilm” pelo valor de U$4,05 bilhões de dólares. No anúncio também constava que os novos filmes teriam um intervalo de dois anos entre eles, com spin-offs sendo lançados nesses intervalos, assim com a pretensão de lançar novos produtos televisivos e literários ligados à saga. O primeiro (8) filme dessa leva foi o episódio sete, intitulado: “O Despertar da Força”, que arrecadou U$529 milhões de dólares no seu final de semana de estreia e, em apenas doze dias, alcançou a marca de U$1 bilhão de dólares, tornando-se a maior arrecadação monetária de um filme da saga e a terceira maior bilheteria do mudo na ocasião, hoje ocupa a quarta. O sucesso monetário da primeira empreitada foi a garantia necessária para que a “The Walt Disney Company” continuasse com seu plano de produção para os próximos lançamentos da mais nova franquia adquirida. 

1. Nostalgia como marcador de identidade e Star Wars: O Despertar da Força

A identidade e seus processos de formação são questões que vêm sendo extensamente discutidas no campo da teoria social. Stuart Hall (1997) aponta que uma nova mudança estrutural vem transformando as sociedades no final do século XX, “fragmentada a passagens culturais de classe, gênero, raça e nacionalidade que apresentavam ideias bem fixas sobre os indivíduos, mas que agora estão mudando também nossas identidades pessoais, abalando a ideia pessoal que temos de nós como indivíduos integrados na sociedade” (HALL, 1997, p.9).  De fato, a transição do século XX para o século XXI e as diversas mudanças socioculturais que acompanharam esse processo, provocaram uma série de transformações em conceitos que outrora pareciam estipulados por padrões definidos e passaram a ser questionados e analisados por meio de outras perspectivas. Dentre eles, podemos destacar a própria noção de identidade individual e coletiva.  

Fred Davis (1979), como comentado por Jeremy J. Sierra e Shaun Macquiety (2014), afirma que: “a nostalgia é usada para desenvolver, sustentar e recriar identidades individuais. Tal construção de identidade resulta do compartilhamento de experiências com outros membros de um grupo de uma certa Era” (SIERRA; MACQUIETY, 2014, p. 100).  Paul Grainge (2000) afirma que narrativas, como a de “Star Wars”, que estão inseridas na construção da vida pessoal de um indivíduo, se transformam em parte de sua identidade, pois esse passado de histórias tradicionais constrói uma mítica, e uma relação de afeto entre ambos. Para esses indivíduos, segundo o autor, existe certa angústia que funciona como uma espécie de antecipação aos incômodos em relação ao futuro incerto da preservação da narrativa original. 

Redes midiáticas comunicativas são essenciais para a formação de um imaginário coletivo e, portanto, também afetam a construção de identidade. A mídia se utiliza de recursos para manter e atrair o interesse do público, sendo um desses, no caso específico do cinema, a aposta em produções de sequências, remakes, reboots, prequels e spin offs, ou seja, retornos a narrativas já estabelecidas previamente. Tais produções e seus desdobramentos podem afetar as bases de seus respectivos fãs, influenciando, dessa forma, parte de suas identidades. Quando novas produções da saga “Star Wars” entraram em desenvolvimento, era preciso encontrar uma forma de conciliar a ascensão de novos protagonistas e a preservação do passado mítico da saga, o que incluía o retorno de antigos personagens e elementos consagrados, primordiais a identidade da saga e seus fãs. 

           Uma possível solução foi apontada por Matt Singer, editor do website norte americano “screencrush”, que em 2015 cunhou um termo para uma nova forma de sequência cinematográfica, após assistir ao trailer de: “Star Wars: O Despertar da Força.” O termo foi batizado de “Legacyquel”(9) . A expressão surgiu da necessidade de se criar uma nomenclatura que definisse um tipo de sequência em que os astros de uma franquia sedimentada na Cultura POP reprisam seus papéis icônicos para, figurativamente, passar o protagonismo a uma nova geração de personagens. Dessa forma, não é necessário realizar um “remake” ou “reboot” da franquia, pois é apresentada uma forma orgânica de transacionar a ótica pela qual vemos os filmes, sem remover o passado da franquia. 

           A presença dos personagens originais obtém uma dimensão simbólica adicional, pois, além de suas funções narrativas dentro da história, eles também agem como a representação fílmica do viés nostálgico da obra, remetendo os fãs aos filmes originais, e, talvez de maneira mais importante, assegurando a preservação do universo mítico e  memórias já estabelecidas entre  público e franquia.  Concomitantemente, os novos personagens passam por uma jornada similar a trilhada por seus antecessores, mantendo o tom e progressão dramática do original, de forma análoga à estrutura de um “reboot”.   A assimilação de características de “reboot” e sequência ao mesmo tempo cria paralelos entre as obras, de forma que as estruturas de “O Despertar da Força” e “A Nova Esperança” se espelhem: “Um jovem indivíduo de um planeta desértico descobre que possui uma ligação com um campo energético que flui por toda a Galáxia, denominado “A Força”. Após tal descoberta, forma uma aliança com outros três personagens – sendo um deles uma forma de figura paterna conectada ao passado místico da narrativa – e se une a um grupo de oposição a uma força militar totalitária. 

            Elementos adicionais como o uso de efeitos práticos, construção de sets físicos – no lugar do uso excessivo de computação gráfica – e trilha sonora de John Williams (compositor da trilha original), também contribuem para construção de uma estética coerente e familiar aos primeiros três episódios da saga. Outros exemplos de “legacyquel” são: “Halloween” (2018), “Tron: O Legado” (2010), “Creed: Nascido para lutar” (2015), “Star Trek” (2008), o seriado “Cobra Kai” (2018) e no momento de escrita dessa pesquisa, os vindouros filmes: “Candyman”( 2021), “Pânico”(2022) e “Jurassic World: Dominion” (2022). 

2. Rogue One: uma história Star Wars e a nostalgia criativa

 “Rogue One: Uma história Star Wars” foi o primeiro spin off da saga. A história se passa entre os eventos de “Star Wars: A Vingança dos Sith” e “A Nova Esperança”, o que, por si só, pressupõe a presença de elementos nostálgicos no filme, já que nos transportam de volta ao momento narrativo histórico em que se passam os filmes originais e, consequentemente, em contato direto com personagens clássicos da franquia, como: Darth Vader, Princesa Leia, C3-PO, R2-D2 e General Organa. Essas intercessões são artifícios narrativos que, para além da questão estética, nos informam que a história, embora separada, se passa no mesmo universo da continuidade principal.  Dessa forma, o longa utiliza o pano de fundo habitual para contar uma nova trama, protagonizada por personagens inéditos que, embora distantes do epicentro da história principal, vivem na mesma galáxia moldada pelos heróis e vilões da saga Skywalker.

O comprometimento moral advindo das concessões e sacrifícios de uma vida devotada à luta armada, bem como o inevitável destino trágico de seus heróis, norteiam a temática do filme.  Portanto, Rogue One traz uma lente voltada para o conflito em um filme que foca na guerra dentro de “Guerra nas Estrelas”.  

Para ilustrar que essa é uma nova história, mas ainda contida no universo “Star Wars” , são utilizados elementos visuais  e auditivos para a audiência, como a introdução cinematográfica dos “Deathtroopers” ( uma variação letal e mais militarizada dos já conhecidos pelo público, “Stormtroopers”) e a criação de uma nova música tema para esse filme específico, mas que também é um rearranjo das melodias musicais do tema clássico de “Star Wars”, utilizado nos episódios principais da saga. O uso de outras técnicas na tentativa de recapturar o passado, como o uso de efeitos práticos no objeto de recorte, também podem estar relacionados ao conceito de Tecnostalgia. Este conceito indica que o uso dessas estéticas e tecnologias “servem de gatilho para estados mnemônicos e emocionais” (BOLIN, 2015, p.7). 

De forma análoga ao filme, a nostalgia pode ser usada como ferramenta criativa para construção de histórias que se sustentam por si só. “A nostalgia não é apenas a expressão de um sentimento, mas algo que de fato fazemos, é um ato de fala que pode se transformar num processo criativo” (FERRAZ, 2017, p.125).

3. Star Wars: Os Últimos Jedi e a nostalgia como experiência discursiva

Mariana Florito (2012) afirma que há uma cultura participativa de produção e inteligência coletiva, no qual cada um coloca seus conhecimentos a fim de criar uma rede mais rica e completa de informações e entretenimento. A propriedade fílmica, portanto, transcende o criador original e passa a fazer parte de um discurso polifônico, ou seja, de “autores de várias vozes”. Quando surge uma nova narrativa que deslegitima ou entra em desacordo com o que os fãs construíram e definiriam como suas narrativas pode haver desilusão, frustração e dissociação para com a franquia e o que está sendo produzido.   “Aqueles no controle não se importam tanto em esconder o esqueleto da estrutura narrativa” (HORKHEIMER e ADORNO, 2001, p.53).  Há, portanto, uma relação delicada de autoria entre os fãs e os criadores. 

Stars Wars: Os Últimos Jedi apresentou uma mudança na direção que estava sendo utilizada ao longo dos novos filmes. Dentre as críticas disponibilizadas pelo público no website norte americano “Rotten Tomatoes” (10), um sentimento de descaracterização da história e seus personagens pode ser destacado.  Um personagem em específico, teve sua nova caracterização muito criticada no filme: o protagonista da trilogia original, “Luke Skywalker”. A reação do público gerou uma hashtag que circulou de forma ampla no twitter: “#notmylukeskywalker”(11). Enquanto o filme apresenta uma aprovação quase perfeita de 90% dos críticos especializados, o público apresenta uma aprovação extremamente baixa de 43%.  Paul Grainge (2000) afirma que existe certa angústia que funciona como uma espécie de antecipação aos incômodos em relação ao futuro incerto da preservação da narrativa original. Esta nostalgia emotiva, aqui relacionada à angústia por antecipação pensada por Grainge, pode hipoteticamente ser expressa pelos consumidores das narrativas mais recentes da franquia Star Wars, que entra em atrito com as construções e veículos de fidelidade em torno do passado mítico da narrativa mãe.

  Há uma desestabilização inevitável em narrativas que sofrem migrações de contextos espaciais e tecnológicos próprios para outra época com seus próprios contextos espaciais e pontos de vista.  O foco da nostalgia em “Os Últimos Jedi” está em preservar a estética e o mundo criado por George Lucas, porém, o diretor Rian Johnson busca também trazer novos pontos de vista para a franquia. Surge então um atrito entre dois tipos de nostalgia. 

“Quando o próprio tempo e autenticidade se tornam vítimas da velocidade, espaço e simulacro pós-moderno, formas de nostalgia estilizadas têm sido enquadradas a uma intitulada crise de memória” (GRAINGE, 2000, p. 27)(12). Conforme visto anteriormente, a nostalgia emotiva expressada por Paul Grainge pode ter relação com essa possível tensão entre criadores e fãs. Grainge estabelece duas formas de nostalgia, sendo essas, o estado nostálgico e o modo nostálgico.  O modo nostálgico seria, segundo o autor, um estilo cultural que não tem relação necessariamente com alguma ansiedade existencial, sentimento de perda ou memória. “O passado é feito através de conotação estilística e consumido como pastiche.”(13) (GRAINGE, 2000, p.8). Essa forma de nostalgia poderia hipoteticamente agir como um substituto para o estado nostálgico que envolve os sentimentos usualmente associados à nostalgia. 

“Enquanto complexa, relacionada e, muitas vezes, simbiótica, a distinção entre sentimento e estilo, modo e estado vem sustentando muitas teorias contemporâneas de nostalgia” (GRAINGE, 2000, p.27)(14). A tensão gerada entre a nostalgia comodificada pelos produtores da obra audiovisual em contato com seus consumidores – que utilizam a nostalgia como experiência discursiva, ou seja, se veem como donos da propriedade fílmica – tem como aposta o futuro da narrativa. 

4. Star Wars: a ascensão Skywalker e a nostalgia utópica

            O nono filme da franquia apresentou um retorno a estrutura narratológica do episódio sete, tendo como objetivo corrigir os aspectos que decepcionaram parte do público em “Os Últimos Jedi”.  A resposta, utilizando novamente o website “Rotten Tomatoes”,(15) foi oposta aos resultados de “Os Últimos Jedi”. O filme apresentou uma média de 51% por parte dos críticos e 86% por parte do público. Uma das críticas mais comuns ao filme foi justamente o fato da priorização do “conserto” dos aspectos da continuidade que fora estabelecida pelo capítulo anterior. 

A construção narratológica de “A Ascenção Skywalker” pode ser pensada como um caso em que a nostalgia é utilizada como remendo para uma quebra de identidade, dentro do campo fílmico. A noção de ruínas, como comentada por Andréas Huyssen (2015), reacende a promessa da manutenção de um futuro alternativo para aquilo que já desapareceu em nossa época presente. Um futuro de preservação de texto narrativo utópico, não concretizado, que provoca uma frustração de expectativas. Em teoria as obras audiovisuais originais podem ser pensadas como essas ruínas. 

           Esse fenômeno vem ao encontro do conceito estabelecido por Karine Basset (2018) e Michéle Baussant (2018) de “olhar de trás para frente” (16)(tradução do autor), no qual temos uma experiência do passado no presente, levando a construção de um futuro. O longa tenta então construir esse futuro utópico de concretização máxima dos desejos do público, considerando os “desacertos” do último capítulo lançado e tendo em mente, que esse seria o filme final da saga Skywalker. 

Outro fator a ser pensado é que, embora a trilogia tenha sido projetada para ser realizada por três diretores e roteiristas diferentes, o diretor do nono filme, saiu do projeto. J.J. Abrahams, diretor do episódio sete, foi o escolhido para assumir o cargo. Abrahams trouxe de volta a sua concepção e o mesmo estilo nostálgico visto no sétimo filme, então além da nostalgia utópica como reparação, há também o fato de que a lente nostálgica é a mesma utilizada em “O Despertar da Força”. Dessa forma, o projeto teve que sustentar  comparações com  todos os filmes da saga lançados anteriormente e atender às expectativas de um público dividido entre  duas abordagens nostálgicas diferentes oriundas de seus dois últimos episódios.

5. Comodificação e atitudes determinantes na compra de objetos a partir da nostalgia

Alana Destri (2019) e Anselmo Lima (2019) afirmam que a nostalgia está em voga e o mercado faz crescentemente uso do conjunto estético do passado, pois essa estética vende. Além de design vintage e fotos instantâneas de polaroid, os autores destacam a produção de remakes de filmes e a retomada de franquias oriundas do século passado. 

No ano de 2017, 18% dos lançamentos nos cinemas tratavam-se de sequências, remakes ou reboots de acordo com o web site “Esquina da Cultura” (17), que também afirma que isso corresponde a 82 dos 450 lançamentos do ano. Essas obras audiovisuais têm grande alcance e suas presenças crescem cada vez mais. Apenas em 2019, foram lançados: a refilmagem de “Cemitério maldito” e “Doutor Sono” como sequência do clássico “O Iluminado” (ambos integram o processo de redescoberta de Stephen King pelos espectadores); as refilmagens de “O Rei Leão” de John Freaveu (que já é o sétimo com maior bilheteria na história do cinema); “Aladdin” de Guy Richie (que alcançou a marca de 1 bilhão de dólares em sua bilheteria mundial) e “Dumbo” de Tim Burton que, junto aos demais, dão continuidade às refilmagens dos clássicos filmes da Disney.

  Os reboots (reimaginações) de franquias amadas por diversos fãs também surgiram em peso no ano de 2019, tais como: “Detetive Pikachu” de Rob Letterman, “Hellboy” de Neil Marshall, “As Panteras” de Elizabeth Banks, e “MIB: Homens de Preto” de F. Gary Gray. As sequências de releituras ou refilmagens também chegaram no ano de 2019, com “Star Wars: A Ascensão Skywalker” de J.J. Abrams, “IT: Capítulo 2” de Andy Muschietti, o sexto “Exterminador do Futuro” de Tim Miller, “Creed 2” de Steven Capple Jr. (continuação da reimaginação da franquia “Rocky”) e “Chucky: O Brinquedo Assassino” de Lars Clevberg. 

De forma extensiva, podemos notar como o número expressivo de produções com viés nostálgico reflete diretamente no consumo cultural vinculado ao universo cinematográfico com a criação dos mais variados produtos que procuram atender ao apelo dos fãs e aproximá-los das narrativas e personagens com que tanto se identificam. 

A saga “Star Wars”, por exemplo, é uma das maiores franquias do cinema que se tornou, ela própria, um produto cultural mundialmente consumido. Celebrada pela cultura pop, estimulada por merchandising intenso e pela difusão de inúmeros itens e objetos de consumo vinculados à suas produções audiovisuais, o universo “Star Wars” é um digno representante da nostalgia como fator determinante na gestão de marcas. “Dessa forma, o sentimento nostálgico influencia com maior intensidade o comportamento dos consumidores que tiveram uma experiência anterior com a marca.” (LA CAVA GOMES FRONTELMO, 2014, p.1). 

Considerações Finais 

          A nostalgia foi um aspecto instrumental para a construção da nova fase de filmes e séries de TV da saga Star Wars sob o comando da Walt Disney Studios. Não apenas por conta do importante aspecto mercadológico, mas, também, porque esses filmes são sequências diretas da vida e do destino de personagens que impactaram para sempre a cultura pop há mais de quarenta anos. Estudar seu papel desde o roteiro até a percepção pública desses filmes, bem como seus acertos e equívocos levam a uma melhor compreensão do impacto dos estudos de nostalgia no audiovisual atualmente. 

Enquanto todos os filmes têm seus méritos e deméritos particulares, a constante mudança na direção narratológica e na óptica nostálgica, acabam criando uma inconsistência para a nova trilogia, quando analisamos os filmes em conjunto. Planejar com antecedência o tom da trilogia como um todo e a abordagem quanto às questões de mitos de origem, seja desconstruindo-as ou dando continuidade a elas, são essenciais para que o espectador possa compreender e engajar com a obra da melhor forma possível, e identificar  o que ela pretende passar como mensagem.  

  O público atual é mais ativo, abalizado e perceptivo, portanto, é imprescindível que os estúdios contratem consultores e profissionais que busquem se familiarizar e compreender o texto mãe (seja ele originado no próprio audiovisual ou em outras mídias), bem como a forma que a comunidade de fãs respectiva se expressa. Dessa forma, cria-se uma comunicação mais harmônica entre produtores e fãs. 

Referências

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Notas de Fim

(1) – Nos meios de comunicação em massa, Spin off é o termo em inglês para histórias derivadas de filmes, livros e videogames. Disponível em: https://www.collinsdictionary.com/pt/dictionary/english/spin-off 

(2) –  É uma obra narrativa que contém elementos ambientados no mesmo universo ficcional, cuja história antecede ao trabalho anterior, apresentando eventos que ocorreram antes da obra original. Fonte: https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/prequel

(3) – Fandom é um termo usado para se referir a uma subcultura composta por fãs caracterizados pela empatia e camaradagem por outros membros da comunidade que compartilham gostos em comum. Fonte: http://mtsayvogel.com/wp-content/uploads/2015/07/Tsay-Vogel-and-Sanders-PPMC-2015.pdf

(4) – Foram consultados 40 textos publicados entre os meses agosto e novembro no RottenTomatoes. Disponível em: https://www.rottentomatoes.com/franchise/star_wars_saga Acesso em: 10 nov. 2020.

(5) – Para saber mais, acesse: https://pt.wikipedia.org/wiki/Star_Wars#Impacto_cultural

(6) – Para saber mais, acesse: https://www.afi.com/afis-100-years-100-heroes-villians/

(7) – Para saber mais, acesse: https://en.wikipedia.org/wiki/Jar_Jar_Binks

(8) –  Informações disponíveis em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Star_Wars:_Episode_VII_-_The_Force_Awakens e https://www.the-numbers.com/movies/franchise/Star-Wars#tab=summary

(9) – Fonte: https://screencrush.com/the-age-of-legacyquels/ , visitado pela última vez: 23 de setembro de 2020.

(10) – Link das críticas: https://www.rottentomatoes.com/m/star_wars_the_last_jedi/reviews?type=user 

(11) -Link da hashtag: https://twitter.com/hashtag/notmylukeskywalker . Último acesso em 26 de outubro de 2020.

(12) – TEXTO ORIGINAL: When authenticity and time have themselves become victims of postmodem speed, space and simulacra, forms of stylized nostalgia have been framed in relation to an incumbent memory crisis.

(13) – Texto original: “the past is realized through stylistic connotation and consumed as pastiche.”

(14) – Texto original: While complex, related and often symbiotic, the distinction between sentiment and style, mood and mode, has come to underpin many contemporary theories of nostalgia.

(15) – Link das críticas: https://www.rottentomatoes.com/m/star_wars_the_rise_of_skywalker .  Visitado pela última vez em 29 de outubro de 2020

(16) -TEXTO ORIGINAL: Looking Backwards

(17) – Disponível em: https://www.esquinadacultura.com.br/single-post/Em-2017-18-dos-filmes-foram-remakes -reboots-ou-sequecias

SOBRE O AUTOR:

Pedro de Carvalho Cruz, Graduação no Ensino Superior em Cinema e Audiovisual pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

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